DOS EXAMES AUTOGERADOS E A ILEGALIDADE DE LIMITAÇÃO PERCENTUAL.
Os exames autogerados são aqueles em que o profissional (médico cooperado) que os realiza é o mesmo que os solicitou, ou, ainda, quem realiza o exame é pessoa ligada ao cooperado, através de relação empregatícia, societária ou de parentesco.
Exames dessa natureza estão sendo glosados, sem critério nenhum, pela Unimed Natal, que é um plano de saúde que atua sob o formato de cooperativa. No entanto, trata-se de verba devida, de natureza alimentar e sua recusa configura enriquecimento ilícito por parte do plano de saúde.
Recentemente, o Plano de Saúde foi condenado a pagar por todos os exames glosados sob a alegação de extrapolação de percentual de exames autogerados a um médico, que o acionou perante o Poder Judiciário do Rio Grande do Norte. A verba é referente ao somatório de todas as glosas de exames sob essa declaração, realizados desde abril de 2018 até a presente data.
A juíza, Dra. Thereza Cristina Costa Rocha Gomes, reconheceu a ilegalidade da medida e determinou pelo pagamento da verba devida previamente ao ajuizamento da ação, bem como todos os outros exames glosados sob o mesmo argumento, após o ajuizamento da ação, derrubando a aplicação da circular nº 29/2018, proveniente do Conselho de Administração da Cooperativa, por considera-la ilegal e injusta.
Muitos são os argumentos pertinentes que fundamentam sua corretíssima decisão, que foi repercutida em vários meios de comunicação de nosso Estado.
Observou-se, portanto, tratar-se de nefasta intervenção na relação médico-paciente, uma vez que este se vê tolhido no seu direito de escolha do profissional que o irá examinar, e aquele vê mitigada sua liberdade profissional e fica privado de seu direito constitucional de exercer a Medicina.
A medida também cria obstáculo para a obtenção de diagnóstico, pois o paciente terá que procurar por outra clínica/hospital, para conseguir os exames.
Como observou a Magistrada, a restrição também é injusta porque não adota critérios específicos para diferenciação entre todos os médicos que geram exames para médicos próximos a si. Vejamos um trecho da sentença:
“Entretanto, o argumento da Ré de que a alteração do porcentual dos exames autogerados é uma forma de coibir abusos praticados por médicos não vinga pelas seguintes razões: (i) implica presumir a má-fé e a prática de fraudes pelos profissionais conveniados; (ii) os excessos praticados por alguns médicos devem ser apurados, e, se for o caso, sancionados casuisticamente.
Isso porque, condutas indesejadas podem e devem ser reprimidas. O que não se admite é que, com o escopo de preveni-las, imponha-se restrição geral à realização de exames pelos próprios médicos solicitantes, de modo a comprometer o exercício de sua atividade profissional e, principalmente à saúde do paciente.
Abusos, caso existam, hão de ser coibidos casuisticamente, na seara adequada, após as devidas sindicâncias – particularmente na esfera administrativa, perante o conselho de classe.
Entretanto, pressupor a má-fé indistinta e difusa, e, partindo daí, tencionar expurgar ou conter eventuais e esporádicos abusos mediante o tolhimento generalizado da liberdade profissional de toda a massa cooperada é medida que não se pode querer coonestar – em detrimento, ainda, também dos pacientes, que ou restam sem feitura dos exame, ou se veem obrigados à sua realização sob a tutela de profissional diverso daquele de sua confiança.
A propósito, mais que os médicos cooperados, são os indivíduos por eles atendidos os maiores prejudicados pela limitação imposta pela Ré, pois acabam realizando os exames solicitados sob os auspícios de profissional diverso daquele de sua confiança.
O médico que solicita determinando exame, é no mais das vezes, quem melhor pode efetuá-lo, pois conhece o quadro geral do paciente e sabe o que deve analisar em seu organismo para a obtenção do melhor diagnóstico.”
Assim, como bem observou a Juíza, se a finalidade da medida é coibir abusos ou fraudes dos proprietários de aparelhos de exames, é preciso perceber que a maneira como o plano de saúde utilizou mostrou-se bastante inadequada. Ora, se suspeitas ou indícios existem, deve-se proceder às investigações através de sindicâncias, apurando os reais responsáveis, punindo-os administrativamente. Também, caso sejam observados indícios de infração ética, deve ser protocolada denúncia formal ao Conselho Regional de Medicina, órgão competente para processar, julgar e punir faltas éticas.
A discussão não é nova no âmbito médico. Já em 1999, o Conselho Federal de Medicina decidiu pela aprovação do parecer que respondeu à Consulta nº 6.579/98 - à época, o Conselheiro Dr. Cláudio B. Souto Frazen já reforçava todos esses argumentos acima delineados e seu parecer foi aprovado em sessão plenária ocorrida em 07/07/99.
Mas, à nossa visão, sob uma análise jurídica, há um outro forte motivo para a decretação da ilegalidade da medida de estabelecimento quotas para exames autogerados é a ausência decisão por Assembleia Geral Extraordinária, ou seja, uma reunião com os médicos cooperados precisa acontecer para a finalidade exclusiva de decidir sobre tal medida. Deve haver uma votação.
Ao não realizar tal Assembleia, um princípio basilar do cooperativismo é quebrado: o da democracia das decisões. Tal princípio remonta à própria finalidade da cooperativa, desde quando foram criadas na Inglaterra, nos idos de 1842. Este princípio está expressamente previsto no artigo 3º na Lei Federal nº 12.690/2012 - que trata das cooperativas de trabalho.
Além disso, restou também evidente que a medida de retenção automática não está prevista nem no Regimento Interno nem no Estatuto Social, e foi publicada através de uma simples circular. E, ainda que houvesse, a decisão foi tomada por órgão que não detém competência legal para isso, o Conselho de Administração – uma diretoria de nove médicos.
A Assembleia Geral Extraordinária é o órgão supremo da cooperativa (conforme previsão no artigo 38 da Lei Federal 5.764/71) e detém competência exclusiva para determinar alteração do Estatuto Social da Cooperativa (conforme art. 46 da mesma Lei). Portanto, se a competência para tomar uma decisão que vai atingir os cooperados é apenas da AGE, quando a Lei Federal determina que ela é exclusiva, significa que não pode ser delegada para nenhum outro órgão, nem mesmo para sua diretoria (Conselho de Administração).
A medida é altamente ofensiva aos médicos cooperados, pois fere a principal finalidade da existência da cooperativa, uma vez que esta deveria servir para defender as condições sócio-econômicas de seus associados, permitindo que possam integrar ao mercado de trabalho e aprimorar seus serviços de assistência médica-hospitalar, e não o contrário, prejudicando-os, tolhendo-lhes o direito de receberem por trabalho que exerceram presumidamente de forma honesta.
A restrição de pagamento de exames autogerados sem análise criteriosa e casuística é medida abusiva e prejudicial aos cooperados e deve ser coibida. Caso não sejam na via consensual, administrativa, então será necessária intervenção do Poder Judiciário. É importante esclarecer, também, que trata-se de judicialização justa, não sendo o cooperado passível, em hipótese alguma, de expulsão por buscar por simplesmente buscar o que lhe é de direito.
Por fim, como sempre, colocamo-nos à disposição para eventuais questionamentos ou mais detalhados esclarecimentos.
Renato Dumaresq OAB/RN 5.448