Operadoras de planos de saúde não podem impor descontos unilaterais a seus prestadores credenciados.
Tem sido frequentes as reclamações de sócios de clínicas e hospitais credenciados a operadoras de planos de saúde quando se deparam com a surpreendente imposição de redução dos valores contratados para a prestação de serviços de saúde. Essas reduções têm sido feitas de forma unilateral, sem nenhum tipo de acordo ou autorização da Agência Nacional de Saúde.
A alegação é de que a operadora estaria amargando prejuízos (que nunca são demonstrados) e que seria obrigação do prestador credenciado dividir a sinistralidade com a operadora, como se fossem sócios.
Primeiramente, preciso logo estabelecer que tal alegação é falaciosa. Primeiro porque as empresas credenciadas não são sócias ou cooperadas da operadora de planos. Elas não participam dos lucros das operadoras (que foram altíssimos no primeiro ano da COVID); também não devem participar dos alegados prejuízos. Elas são contratadas para prestarem serviços de saúde e devem receber de acordo com o que foi estabelecido nos contratos.
DA ILEGALIDADE DOS DESCONTOS
É preciso já deixar claro que esses descontos, que tem sido cada vez mais frequentes, são notoriamente ilegais.
A Resolução Normativa nº 503/2022, da Agência Nacional de Saúde, que regula os contratos de credenciamento entre operadora e prestadores, determina que os contratos de credenciamento devem ser a fonte de definição dos valores dos serviços contratados. Ou seja, os que estão contratados devem ser integralmente pagos, não podendo estarem sujeitos a variações.
No artigo 5º dessa mesma Resolução, consta que é proibido estabelecer formas de reajuste condicionadas à sinistralidade da operadora e que mantenham ou reduzam o valor nominal do serviço contratado.
Art. 5º As seguintes práticas e condutas são vedadas na contratualização entre Operadoras e Prestadores:
(...)
VII - estabelecer formas de reajuste condicionadas à sinistralidade da operadora;
VIII - estabelecer formas de reajuste que mantenham ou reduzam o valor nominal do serviço contratado.
Já a Lei Federal nº 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde determina que essa proibição posta pela ANS deve ter observância obrigatória para as operadoras de saúde.
Então, resta evidente a impossibilidade de o plano aplicar, unilateralmente, qualquer reajuste ou desconto para o fim de reduzir o valor pago, sob o pretexto de eventual instabilidade financeira provocada por elevação da sinistralidade no período.
JÁ HÁ PRESTADORES JUDICIALIZANDO.
Em maio do corrente ano, nós já havíamos publicado um texto falando sobre essa decisão judicial, que concedeu, integralmente, todos os pedidos realizados por um grupo de clínicas prestadoras, no sentido de terem os pagamentos das diferenças descontadas. Na decisão, a juíza proibiu, inclusive, que novos descontos sejam realizados e também que a operadora tente fazer o descredenciamento. Para ver o artigo e também a decisão na íntegra, clique: Juíza proíbe descontos de 15% para prestadores de saúde.
Veja um trecho da decisão da Juíza Titular da 17ª Vara Cível da Comarca de Natal, Rio Grande do Norte, Dra. Divone Pinheiro:
“(...)
No caso dos autos, o conjunto fático probatório apresentado pela parte autora permite visualizar uma verossimilhança necessária à concessão dos pedidos liminares formulados.
O documento de ID nº 99889774 traz as razões da aplicação do desconto pecuniário pela parte ré, dentre elas a incorporação de custos ambulatoriais e hospitalares derivados da pandemia de COVID-19, a incorporação de medicamentos de alto custo na tabela de cobertura obrigatória dos planos de saúde, o aumento da taxa de sinistralidade nos últimos trimestres, dentre outros.
Todavia, a determinação de restabelecimento do equilíbrio financeiro foi feita, pelo menos o que indica esse momento de cognição sumária, diretamente pela parte ré, sem respaldo da ANS. O comunicado de ID nº 99889774 não indicou nenhuma ação direta da ANS que autorizasse os descontos. Pelo contrário, narrou que o próprio Conselho de Administração da Unimed Natal decidiu implementá-los, sem qualquer referência a uma autorização da Agência Nacional de Saúde.
Noutro giro, os contratos de prestação de serviços firmado entre as partes não contém previsão capaz de autorizar a ação praticada pela parte ré, ora combatida pela parte autora (vide ID’s nºs 99890850, 99890854 e 99890829). Pelo contrário, a cláusula 6.4 impôs à operadora a obrigação de “garantir o pagamento da assistência prestada aos beneficiários da OPERADORA, nos moldes deste instrumento, até a data estabelecida para o encerramento do vínculo jurídico com o prestador”.
Em complemento, a cláusula nona veda expressamente as seguintes condutas na relação jurídica perpetrada entre a Unimed Natal e a Eco-Centro Cardiológico de Natal Ltda, “9.7. Estabelecer formas de reajuste condicionadas à sinistralidade da OPERADORA; e 9.8. Estabelecer formas de reajuste que mantenham ou reduzam o valor nominal do serviço contratado”.
Não obstante, a cláusula décima quinta prevê o prestador emitirá, fatura e nota fiscal relativas aos procedimentos autorizado e a ré obriga-se a pagá-las no prazo de 30 dias, deduzidas apenas as glosas que possam ocorrer.
Em uma análise perfunctória da ação, própria desse momento processual, a conclusão que se chega é a de que a ré teria ido de encontro com as obrigações assumidas nos contratos, sobretudo por ter descontado unilateralmente o pagamento dos prestadores de serviços autores, com fundamento em sinistralidade, conduta vedada, ao que tudo indica, pela cláusula 9.7. dos contratos firmados entre as partes.
Do mesmo modo, as hipóteses de rescisão dos contratos foram elencadas no negócio jurídico, de sorte que não se apresenta lícita a rescisão unilateral do contrato com fundamento único na cobrança de devolução dos valores descontados. Frisa-se que o direito à ação está disposto na Constituição Federal, não podendo qualquer parte de um negócio jurídico rescindi-lo por alguém estar em pleno exercício de direito.
Presente, portanto, o fumus boni iuris. (...)” grifos e sublinhados apostos.
Irretocável é a decisão da Magistrada, que foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do RN. Os descontos efetuados pela operadora são ilegais, e suas proibições encontram-se triplamente expressas: em Lei Federal, Resolução Normativa da ANS e contratos de credenciamento.
Caso sua empresa médica prestadora de serviços médicos tenha sofrido descontos indevidos das operadoras de saúde, busque por ajuda jurídica. A prática é tão ilegal e absurda que, muitas vezes, a negociação extrajudicial termina surtindo efeitos. Muito se tem notícias de prestadores que conseguiram, através de um simples protesto, fazer com que a operadora faça o pagamento do que restou devido.
A OPERADORA NÃO PODE RESCINDIR O CONTRATO DE FORMA UNILATERAL.
É preciso deixar claríssimo: a operadora de saúde não pode rescindir o contrato de forma sumária e unilateral. Um contrato de credenciamento precisa ter registro na Agência Nacional de Saúde. Uma relação de credenciados precisa constar na ANS e, para haver descredenciamento, é preciso haver autorização prévia por parte da Agência Reguladora.
Afinal, o direito de ter a rede credenciada é do usuário do plano de saúde, que é diretamente prejudicado quando a clínica ou hospital que ele costuma utilizar é descredenciado.
Novamente, a Resolução 503 de 2022, no artigo 16, determina que os prazos de vigência e as situações que ensejam a rescisão devem constar expressamente nos contratos. Ou seja, não havendo falta contratual que possa causar uma rescisão, esta não pode acontecer de forma unilateral por parte de operadora de saúde. Caso isso aconteça, uma denúncia pode ser formalizada perante a ANS e, também, pode ser buscado por um provimento judicial para que o contrato se mantenha até o término de seu prazo.
Portanto, não pode a operadora ameaçar com um descredenciamento para impor suas vontades e, no caso, um desconto das suas prestações previstas em contrato.
NÃO ASSINE ADITIVOS DE ACEITE DOS DESCONTOS
Tem sido frequentes, também, relatos de prestadores credenciados que são surpreendidos com aditivos contratuais impostos pelas operadoras, no sentido de que se aceite tais descontos.
Outra orientação válida que passamos é: caso a operadora venha forçar pela assinatura de um aditivo contratual para que sua pessoa jurídica concorde com o desconto, não assine. Caso tenha assinado, é possível também buscar pela anulação do ato, uma vez que a propositura desses aditivos é sempre feita sob a ameaça de descredenciamento.
TRAMENTO DISCRIMINATÓRIO – NEM TODOS OS PRESTADORES SOFREM COM OS DESCONTOS.
E, se caso até agora, você, prestador, ainda não está convencido da ilegalidade de tais descontos, saiba que não são todas as empresas credenciadas/contratadas que sofreram com tais descontos.
Aditivos, com imposições de sigilo, têm sido distribuídos sob o manto da Lei Geral de Proteção de Dados, apenas para que ninguém comente e não se saiba quais foram as empresas que sofreram com os descontos.
Muitas vezes, descontos que deveriam ser impostos para todos os prestadores credenciados, não são exigidos para algumas empresas credenciadas e isso acontece por mero favorecimento.
Então, caso sua empresa esteja sofrendo ou tenha sofrido tais descontos e você não cobrou por isso até agora porque não quer se indispor com a operadora de saúde, saiba que outros prestadores estão bem melhores que você: deles não foi cobrado nada, ou, caso tenha sido, já foi pago, amigavelmente.
Enquanto isso, para você, eles impõem aditivos para que você aceite como perdas as quantias que não foram pagas. Tudo em nome de uma tão aclamada “parceria” – termo exaustivamente utilizado pelas operadoras nessas situações.
Se você achou essas informações úteis, compartilhe com quem poderia ser ajudado com isso, como dito acima, se quer ler um pouco mais sobre isso, com decisão na íntegra, clique Aqui - decisão na íntegra.
Se precisar de mais informações, fique à vontade para nos consultar.
Atenciosamente,
Renato Dumaresq
OAB/RN 5.448