Pessoas Jurídicas credenciadas não devem sofrer desconto de 15% para plano de saúde

Pessoa jurídica credenciada a plano de saúde não pode ter desconto linear realizado de forma unilateral e sem autorização da ANS e do contrato de credenciamento.

 

Recentemente, o plano Unimed Natal realizou, por seis meses, descontos lineares na ordem de 15% nos pagamentos dos valores brutos de suas pessoas jurídicas credenciadas.

No entanto, tais descontos se deram sem nenhuma negociação com as PJs credenciadas, sem nenhum aviso prévio e sem nenhuma autorização da Agência Nacional de Saúde, ferindo também disposições expressas dos contratos de credenciamento.

Procurada por vários médicos sócios das empresas médicas que sofreram tais descontos, a Unimed apenas referiu que vinha passando por dificuldades financeiras e que os descontos eram necessários e não deram nenhuma previsão de ressarcimento.

Para todos, o plano disse a mesma coisa: que seria o momento de todos aceitarem, pois, ou era isso ou era o descredenciamento sumário.

Inconformados com tamanha injustiça, alguns sócios dessas empresas, aqueles que são mais dotados de coragem e  conhecimentos jurídicos, perceberam o tamanho da ilegalidade e procuraram por este escritório para que houvesse a busca da proteção judicial.

E assim foi feito.  No dia 15 de Maio do corrente ano, a juíza de direito, titular da 17ª Vara Cível da comarca de Natal proferiu brilhante decisão interlocutória onde deferiu a tutela antecipada para determinar:

(I) que a ré se abstenha de realizar novos descontos em desacordo com o estipulado em contrato ou em Lei, sob pena de multa fixa no patamar de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) por desconto realizado;

(II) que a ré se abstenha de rescindir unilateralmente o contrato firmado entre as partes, com fundamento contrário às disposições estabelecidas no próprio negócio jurídico e Lei, e em desacordo com a presente decisão, sob pena de multa única no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais);

(III) que a ré deposite em juízo, no prazo de 20 (vinte dias) corridos, o valor total de R$ 360.718,10 (trezentos e sessenta mil setecentos e dezoito reais e dez centavos) ou comprove que já realizou os pagamentos integrais ao autor relativos aos meses de agosto de 2022 a janeiro de 2023.

 

O dispositivo da decisão (as determinações acima enumeradas pela juíza) mostra que todos os pedidos foram atendidos.

O maior receio de todos os credenciados é quanto ao descredenciamento sumário.  Mas veja que a parte autora teve seu pedido cautelar atendido no item II do dispositivo da decisão.  A Unimed não pode realizar descredenciamentos sumários sem que seja por uma das hipóteses previstas no contrato de credenciamento e com a devida anuência da Agência Nacional de Saúde.  

Ajuizar uma ação para buscar por um direito que lhe cabe é uma garantia constitucional (artigo 5º, inciso XXXV), não podendo ser motivo para descredenciamento. 

Em decisão liminar, a juíza determinou que os valores que deixaram de ser pagos fossem pagos através de depósito judicial.

Caso a Unimed tente rescindir os contratos de forma sumária e unilateral, esses serão restabelecidos por ordem judicial e uma multa de R$ 50.000,00 será paga para cada tentativa.

O que se tem notícia é que muitos empresários sócios das pjs credenciadas tem sido procurados pelo plano de saúde para que assinem aditivos contratuais reconhecendo a permissão retroativa dos referidos descontos, dando as verbas como perdidas e impedindo-os de buscarem por medidas judiciais de remédio, sob pena, mais uma vez, de uma suposta rescisão sumária do contrato. 

A orientação que se dá, como é de se esperar, é que os sócios não assinem os referidos aditivos, e busquem pelo pagamento do que lhes é devido.  Os serviços médicos e hospitalares foram devidamente prestados.  Não é justo que haja os referidos descontos. 

Como sempre, obrigado sua atenção.  Se esse texto faz sentido para você, compartilhe com quem poderia ser ajudado com essa informação.  E, em caso de dúvida ou caso queira mais informações, esteja livre para entrar em contato. 

Atenciosamente,

Renato Dumaresq

OAB/RN 5.448

A DECISÃO JUDICIAL

 

Veja, abaixo, o inteiro teor da decisão:

DECISÃO

 

I - RELATÓRIO

(...)

 

A parte autora aduziu que mantém relação de credenciamento com Unimed Natal. As condições da prestação de serviço foram pactuadas, com reajuste de 6% (seis por cento) dos valores inicialmente pactuados. Contudo, a partir do mês de agosto de 2022, sem qualquer notificação prévia, as clínicas passaram a sofrer com desconto de 15%(quinze por cento) do preço dos serviços prestados.

 

Nesse diapasão, narrou que os serviços só são prestados após a autorização do plano réu e que esse desconto foi determinando de forma unilateral. Arguiu ainda que ré argumentou que passava por dificuldades financeiras e que todos os prestadores deveriam absorver os alegados prejuízos.

 

Arguiu que esses descontos não possuem previsão contratual, tampouco legal, razão pela qual devem ser considerados indevidos. Destacou que não possui o dever de arcar com ônus financeiro da parte ré, sobretudo por ser mera prestadora de serviço.

 

Requereu, em sede de antecipação da tutela, que a ré se abstenha de praticar novos descontos e que a ré deposite em juízo os descontos realizados indevidamente no valor total de R$ 360.718,10 (trezentos e sessenta mil setecentos e dezoito reais e dez centavos).

 

Este juízo intimou a parte ré, com fulcro no art. 300, §2º do CPC, a esclarecer a natureza desses descontos (ID n° 99444596).

 

A parte ré indicou que os descontos foram feitos de forma temporária e excepcional, tendo cessado em janeiro de 2023. Destacou que enviou uma carta aos autores no dia 20 de setembro de 2022, informando-os de que haveria descontos lineares a incidirem a partir da competência de agosto de 2022 e se encerrariam na competência de janeiro de 2023, o que demonstraria a ciência dos autores quanto a essa circunstância. Argumentou que os descontos foram necessários à manutenção da saúde financeira da cooperativa e que pretende demonstrar tal fato em sede de contestação. Arguiu, ao final, ausência de perigo de demora da medida e perda de objeto quanto ao pedido de suspensão dos descontos, pois este foram cessados administrativamente ao final da competência de janeiro de 2023 (ID n° 99889773).

 

A parte autora apresentou aditamento à inicial (ID n° 100003704), aduzindo que a ré tem ameaçado rescindir o contrato por conta do ajuizamento da ação. Assim, requereu o aditamento da inicial, acrescentando o pedido de tutela antecipada para obrigar a ré a se abster de rescindir os contratos de credenciamento imotivadamente, ressalvada a possibilidade de rescisão nos casos previstos no instrumento contratual.

 

É o relatório. Passo a decidir.

 

II - FUNDAMENTAÇÃO

 

II.1 PRELIMINAR DE PERDA DO OBJETO

 

A parte ré arguiu preliminar de perda do objeto em relação ao pedido de “suspensão dos descontos”. Ocorre que, ao realizar uma análise detida dos pedidos de antecipação da tutela formulada pela parte autora, observa-se que não existe pedido de “suspensão de descontos”. A rigor, inicialmente, foram formulados dois pedidos, um relativo à devolução dos valores descontos, outro concernente ao impedimento de realizar novos descontos.

 

Esse segundo pedido tem natureza de tutela inibitória, a qual tem como objetivo impedir a prática de um ilícito, independentemente da demonstração de dano e de culpa. Pela natureza jurídica processual do pedido e a forma de sua formulação, a interpretação que se faz é que a parte autora busca impedir que a ré volte a repetir ação de descontar os valores dos serviços, em outras circunstâncias, usando o mesmo argumento.

 

Ou seja, impedir a repetição do comportamento da ré em um futuro incerto. Não se trata dos descontos realizados até a competência de janeiro de 2023, mas os que hipoteticamente a ré volte a realizar, sob o mesmo fundamento e forma.

 

Essa é, inclusive, a explicação do pedido formulado pela parte autora através da petição de ID n° 100003704. Frisa-se que o momento processual em que se encontra esta ação é anterior à citação, de sorte que é facultado às autoras o aditamento da inicial sem a anuência da ré, nos termos do art. 329, inciso I do CPC.

 

Portanto, não se vislumbra a perda do objeto do pedido, pois este se projeta o futuro, com o fim de impedir a repetição da conduta supostamente ilícita da ré.

  

II. 2 DA TUTELA PRETENDIDA

 

O artigo 300, caput e § 3º do Código de Processo Civil de 2015 exige, para a concessão da tutela de urgência, elementos que evidenciem a probabilidade do direito, o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. No caso dos autos, o conjunto fático probatório apresentado pela parte autora permite visualizar uma verossimilhança necessária à concessão dos pedidos liminares formulados.

 

O documento de ID nº 99889774 traz as razões da aplicação do desconto pecuniário pela parte ré, dentre elas a incorporação de custos ambulatoriais e hospitalares derivados da pandemia de COVID-19, a incorporação de medicamentos de alto custo na tabela de cobertura obrigatória dos planos de saúde, o aumento da taxa de sinistralidade nos últimos trimestres, dentre outros.

 

Todavia, a determinação de restabelecimento do equilíbrio financeiro foi feita, pelo menos o que indica esse momento de cognição sumária, diretamente pela parte ré, sem respaldo da ANS. O comunicado de ID nº 99889774 não indicou nenhuma ação direta da ANS que autorizasse os descontos. Pelo contrário, narrou que o próprio Conselho de Administração da Unimed Natal decidiu implementá-los, sem qualquer referência a uma autorização da Agência Nacional de Saúde.

 

Noutro giro, os contratos de prestação de serviços firmado entre as partes não contém previsão capaz de autorizar a ação praticada pela parte ré, ora combatida pela parte autora (vide ID’s nºs 99890850, 99890854 e 99890829). Pelo contrário, a cláusula 6.4 impôs à operadora a obrigação de “garantir o pagamento da assistência prestada aos beneficiários da OPERADORA, nos moldes deste instrumento, até a data estabelecida para o encerramento do vínculo jurídico com o prestador”.

 

Em complemento, a cláusula nona veda expressamente as seguintes condutas na relação jurídica perpetrada entre a Unimed Natal e a xxxxxxxx (preservamos o nome) e outros, “9.7. Estabelecer formas de reajuste condicionadas à sinistralidade da OPERADORA; e 9.8. Estabelecer formas de reajuste que mantenham ou reduzam o valor nominal do serviço contratado”.

 

Não obstante, a cláusula décima quinta prevê o prestador emitirá, fatura e nota fiscal relativas aos procedimentos autorizado e a ré obriga-se a pagá-las no prazo de 30 dias, deduzidas apenas as glosas que possam ocorrer.

 

Em uma análise perfunctória da ação, própria desse momento processual, a conclusão que se chega é a de que a ré teria indo de encontro com as obrigações assumidas nos contratos, sobretudo por ter descontado unilateralmente o pagamento dos prestadores de serviços autores, com fundamento em sinistralidade, conduta vedada, ao que tudo indica, pela cláusula 9.7. dos contratos firmados entre as partes.

 

Do mesmo modo, as hipóteses de rescisão dos contratos foram elencadas no negócio jurídico, de sorte que não se apresenta lícita a rescisão unilateral do contrato com fundamento único na cobrança de devolução dos valores descontados. Frisa-se que o direito à ação está disposto na Constituição Federal, não podendo qualquer parte de um negócio jurídico rescindi-lo por alguém estar em pleno exercício de direito.

 

Presente, portanto, o fumus boni iuris.

 

Por sua vez, os descontos representam, prima facie, decréscimo de receita oriunda de procedimentos médicos autorizados pela parte ré e efetivamente prestados pela parte autora.

Ou seja, embora a parte autora tenha prestado serviços aos consumidores da parte ré, o pagamento desses serviços não ocorreu de forma integral, representando impacto financeiro na receita da parte autora, já que não recebeu aquilo que efetivamente combinou (contratualmente) com a parte ré. Inegável, assim, que isso poderá prejudicar as receitas da parte autora, exigindo correção imediata da (aparente) distorção.

 

De forma semelhante, o risco da repetição do ato praticado pelo réu, considerado,

nesse momento, ilícito é latente. A Unimed já consumou os descontos de forma unilateral, não havendo empecilhos práticos para assim não o fazer. Frisa-se que não houve qualquer

preparação para a realização dos descontos, de sorte que também não os são imprescindíveis para a observação ou prevenção dessa prática, por parte das autoras, o que demanda uma tutela jurídica nesse sentido. Assim, resta comprovado o risco de repetição do ato contrário ao direito.

 

Portanto, deve ser deferido o pleito de urgência, tanto para determinar a restituição imediata da quantia até então descontada, como para impedir novos descontos em desacordo com o estipulado em contrato ou em Lei, bem como impedir a rescisão unilateral do contrato com fundamento único na propositura desta ação.

 

Destaque-se, por fim, que a medida é complemente reversível, visto sendo perfeitamente cabível futura cobrança do montante em questão pela parte ré caso a demanda seja julgada improcedente, inclusive com ferramentas de manutenção do poder da moeda, como correção monetária e juros.

  

III- DISPOSITIVO

 

Isto posto, defiro a tutela antecipada requerida pela parte autora para determinar: (I) que a ré se abstenha de realizar novos descontos em desacordo com o estipulado em contrato ou em Lei, sob pena de multa fixa no patamar de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) por desconto realizado; (II) que a ré se abstenha de rescindir unilateralmente o contrato firmado entre as partes, com fundamento contrário às disposições estabelecidas no próprio negócio jurídico e Lei, e em desacordo com a presente decisão, sob pena de multa única no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais); (III) que a ré deposite em juízo, no prazo de 20 (vinte dias) corridos, o valor total de R$ 360.718,10 (trezentos e sessenta mil setecentos e dezoito reais e dez centavos) ou comprove que já realizou os pagamentos integrais ao autor relativos aos meses de agosto de 2022 a janeiro de 2023.

 

Diante da ausência de manifestação de interesse da parte autora na realização da audiência de conciliação e, considerando que o princípio da eficiência não admite a prática de atos inúteis, deixo de aprazar audiência de conciliação.

 

Cite-se o réu para contestar no prazo de 15 (quinze) dias, a contar da juntada do comprovante de recebimento, conforme artigo 231, I, do CPC, bem como para dizer se tem interesse em conciliar e apresentar proposta de acordo.

 

A citação será feita pelo correio, salvo se constar do sistema PJE ou dos autos, o endereço eletrônico, caso em que a citação deverá ser eletrônica. A citação deverá ser acompanhada do código identificador do processo.

 

Apresentada(s) defesa(s) e havendo alegação de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito autoral, intime-se a parte autora para apresentar réplica no prazo de 15 dias (art. 350 do CPC) e se manifestar sobre eventual proposta de acordo da parte ré.

 

Não apresentada(s) defesa(s) ou decorrido o prazo concedido para réplica, tragam-me os autos conclusos para sentença.

 

Intimem-se as partes pelo sistema PJe.

 

Natal/RN, 15 de maio de 2023.

 

 

 

DIVONE MARIA PINHEIRO

Juíza de Direito

(documento assinado digitalmente na forma da Lei n° 11.419/06)

 

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