Dumaresq Direito Médico

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A UNIMED DEVE PERMITIR O LIVRE INGRESSO DOS MÉDICOS EM SUAS COOPERATIVAS. PRINCÍPIO DA PORTA ABERTA.(atualizado)

Somente no Brasil, cerca de 51. milhões de pessoas são usuárias de planos de saúde. Alguns desses planos utilizam o formato de cooperativas de trabalho médico.

Então, é preciso logo informar que as empresas que atuam sob o formato de cooperativa de trabalho tem o dever legal (e constitucional) de permitir que novos profissionais ingressem em seus quadros, de forma ilimitada. Este já é o entendimento consolidado nos tribunais brasileiros. Entretanto, os planos de saúde UNIMED, que adotam o formato de cooperativas pelo Brasil tem o costume de restringir o acesso de novos médicos na condição de cooperados.  Essa restrição prejudica diretamente a classe médica, e também os seus usuários. Somente em Natal/RN, são cerca de 200.000 vidas que sofrem para conseguir atendimento, devido à falta de médicos – e, pior agora, em tempos de pandemia.

Nas próximas linhas, restará mais que demonstrado (de forma bastante resumida) que esse comportamento restritivo das cooperativas em forma de planos de saúde é ilegal, inconstitucional, injusto e discriminatório, devendo ser rechaçado pelo Poder Judiciário, que já tem entendimento firmado no sentido de que o médico tem direito a ingressar na cooperativa.

Princípio da Porta Aberta para ingresso nas cooperativas já é entendimento pacificado da jurisprudência brasileira e tem previsão em duas leis federais.

O Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, já firmou entendimento no sentido de que as cooperativas devem conceder o acesso para quantos profissionais queiram se ingressar, independentemente de número de cooperados.  Esse direito tem previsão expressa nos artigos art. 4º e 29 da Lei Federal nº 5.764/71. Além disso, a Constituição Federal, ao tratar das garantas fundamentais dos cidadãos brasileiro, nos artigos 5º, Caput, e inciso XX, e Art. 8º, inciso V, traz o direito à liberdade, igualdade e livre associação. 

Mas, mesmo assim, as cooperativas médicas que atuam como planos de saúde continuam adotando práticas restritivas para limitar o acesso dos médicos. A forma mais comum de constrangimento é através criação de poucas vagas limitadas para algumas especialidades. Essas vagas são criadas por critérios obscuros, baseados, quando muito, apenas na quantidade de pacientes para o número de médicos que já se encontram na cooperativa, o que não é permitido, pois configura reserva de mercado. Tanto tem sido assim que essa limitação foi superada pelos tribunais, pois, o acesso deve ser livre

Portanto: O médico que tiver as qualidades técnicas exigidas deve ter o direito de se tornar cooperado na hora que bem entender, independentemente de processo seletivo.

Mas por que essa restrição acontece?

Essa restrição se dá por um motivo muito simples: a Unimed é um plano de saúde.  Então, quanto menos médicos estiverem à disposição da população, maior é sua lucratividade, pois menos usuários serão atendidos, menos procedimentos e cirurgias são feitos, menos exames são requisitados, etc., fazendo com que muitos desses usuários desistam de buscar pelo plano e paguem honorários para médicos ou procurando pelo Sistema Único de Saúde - SUS, gerando altíssimas despesas para os entes públicos, o que é pior ainda.

Como dito acima, são DUZENTAS MIL PESSOAS PREJUDICADAS, somente em Natal/RN. Quando o cidadão vai buscar o plano de saúde, falta médico. Não é raro um usuário do plano esperar por meses por uma simples consulta.

Então, o problema é de interesse público. O Ministério Público deve intervir. 

Ainda mais, em tempos de pandemia, onde 90% das consultas e cirurgias eletivas foram suspensas ou canceladas. 

 

Do aumento das quotas-parte como nova forma de barrar o ingresso dos médicos.

Nos últimos anos, tendo em vista o entendimento já firmado, o qual vem garantindo o acesso dos médicos, outra maneira de criar barreiras foi a determinação de aumentos do valor da quota-parte (a já chamada “joia”).

Como se verá abaixo, esses aumentos foram realizados de maneira abusiva, arbitrária e discriminatória, em total desrespeito às leis federais regentes.

Utilizando-se o caso da Unimed Natal, a quota-parte para ingresso na cooperativa prevista em seu estatuto, é de R$ 36.000,00 (trinta e seis mil Reais), o que já não é pouca coisa.  Mas, mesmo assim, apenas em 2018, dois aumentos foram determinados. O primeiro foi realizado em janeiro de 2018, aumentando o valor da quota-parte para R$ 55.000,00 (cinquenta e cinco mil reais).  Em novembro do mesmo ano, R$ 80.000,00 (oitenta mil Reais) e agora, em maio de 2021, passou a ser R$ 94.000,00 (noventa e quatro mil Reais).

Outras Unimeds tem adotado o mesmo comportamento. A Unimed João Pessoa, por exemplo, tem prevista no seu estatuto a quota no valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais) mas cobra R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil) dos médicos que desejarem ingressar.

O grande aspecto discriminatório detectado, restando claríssima a reserva de mercado, foi no sentido de que os aumentos foram exigidos apenas para os profissionais que quisessem ingressar após o aumento.  A quota-parte do médico é a quantia mínima que o cooperado deve pagar para fazer parte da cooperativa, que deve estar prevista no estatuto.  Ora, se o valor mínimo da quota-parte no capital social é comum a todos os cooperados, no momento em que um aumento é determinado, todos os cooperados deveriam complementar suas quotas (integralização).

Trata-se, também, de medida arbitrária, uma vez que nem a vontade dos cooperados nem as leis foram respeitadas, pois ao invés de ter sido posta em votação, por uma Assembleia Geral Extraordinária, como a Lei determina (artigos 38 e 46 da Lei 5.764/71), onde aos médicos cooperados deveria ser dada a oportunidade de decidir pelo aumento (até porque, eles teriam que complementar os valores de suas quotas), os aumentos foram determinados pelo Conselho de Administração, que é uma diretoria, composta por apenas nove médicos.

O artigo 46, inciso I, da Lei Federal nº 5.764 determina que, para haver alteração do estatuto da cooperativa, é preciso que seja convocada uma Assembleia Geral Extraordinária, especificamente para esse fim.  Todos os médicos precisam ser notificados com dez dias de antecedência.  Trata-se de competência EXCLUSIVA (NÃO PRIVATIVA), ou seja, somente a Assembleia Geral Extraordinária pode determinar esse aumento, NÃO PODENDO DELEGAR esse poder de decisão para o Conselho de Administração.

A Lei determina que o valor que pode ser exigido é o que está previsto no estatuto (artigo 21, inciso III, da Lei Federal nº 5.764).  No caso, como os aumentos foram operados sem respeitar a Lei, eles não causaram a alteração do estatuto da cooperativa, que ainda prevê a quantia de R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais).  Então, a exigência de qualquer outro valor é, automaticamente, ilegal. 

E também, os aumentos não podem ter eficácia, pois, como, como a ilegalidade é flagrante, eles não chegaram nem mesmo a registrar as atas das reuniões do Conselho de Administração na Junta Comercial do Rio Grande do Norte - JUCERN, que é presidida por um advogado e tem advogados dentro da sua equipe técnica prestando consultoria jurídica.   O fato de não haver registro na JUCERN faz com que quaisquer atos comerciais não tenham eficácia para terceirosÉ como um casamento que não é registrado em cartório.  É como uma compra e venda de imóvel onde o contrato não é escriturado.

Da decisão do Superior Tribunal de Justiça

Em 2016, o então o Superior Tribunal de Justiça, através do Ministro Ricardo Vilas Boas Cueva, decidiu a questão, servindo de norte para todos os outros ministros, que seguem o seu entendimento. Veja:

"AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL. COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO (UNIMED). INGRESSO DE NOVO ASSOCIADO. RECUSA. EXIGÊNCIA DE APROVAÇÃO EM PROCESSO SELETIVO E REALIZAÇÃO DE CURSO. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA PORTA ABERTA (LIVRE ADESÃO). 1. O ingresso nas cooperativas é livre a todos que desejarem utilizar os serviços prestados pela sociedade sendo, em regra, ilimitado o número de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços (arts. 4º, I, e 29 da Lei nº 5.764/1971). Incidência do princípio da livre adesão voluntária. 2. Pelo princípio da porta-aberta, consectário do princípio da livre adesão, não podem existir restrições arbitrárias e discriminatórias à livre entrada de novo membro na cooperativa, devendo a regra limitativa da impossibilidade técnica de prestação de serviços ser interpretada segundo a natureza da sociedade cooperativa. 3. Agravo regimental não provido." (STJ - AgRg nos EDcl no AREsp 667.072/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/03/2016, DJe 10/03/2016)

Então, perceba no segundo tópico do voto, que o Ministro parecia que já estava prevendo o que iria acontecer, quando proibiu que medidas arbitrárias e discriminatórias à livre entrada de novos membros na cooperativa.  E foi exatamente isso que aconteceu. 

Como dito acima, o aumento da “joia” exigida para o profissional que deseja ingressar na cooperativa foi feito de maneira arbitrária, pois não respeitou a vontade dos cooperados, partido de uma decisão da diretoria de nove membros (Conselho de Administração) e desrespeitando a legislação vigente -  Artigos 21, inciso III, 38 e 46, inciso I da Lei Federal nº 5.764/1971 .

E, como também foi demonstrado, o aumento também se deu de forma discriminatória, pois é exigido apenas para os profissionais que desejam ingressar na cooperativa. 

Além disso, resta evidente que trata-se de medida imoral e injusta, pois utiliza um critério financeiro para ingresso, privilegiando apenas os que tem condições de pagar tão vultosa quantia R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).   A imoralidade pousa também no finalidade da restrição, uma vez que, como também dito acima, tem por objetivo restrição da acesso aos usuários ao plano de saúde.

E, já se tem notícia de que um novo aumento será exigido.  Uns dizem que será para R$120.000.00 (cento e vinte mil reais), como foi em Recife, outros dizem que será para R$150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), como foi em João Pessoa.  Caso esse(s) novo(s) aumento(s) seja(m) efetivado(s), restará ainda mais evidente a sua abusividade.

Das decisões judiciais procedentes em Natal, Rio Grande do Norte. 

Até agora, este escritório já conta com onze sentenças de mérito favoráveis.  As sentenças foram proferidas pelos juízes,

Dra. Daniella Paraíso Guedes Pereira (3ª Vara Cível), processos número: 0800548-31.2019.8.20.5001; 0872861-24.2018.8.20.5001; 0803841-09.2019.8.20.5001;  

Dr. Lamarck Araújo Teotônio (5ª Vara Cível), processo número 0858837-25.2017.8.20.5001;

Dra. Rossana Alzir Diógenes Macedo (13ª Vara Cível),  processo número 0852448-24.2017.8.20.5001; 

Dr. André Luis de Medeiros Pereira (16ª Vara Cível), processo número 0803841-09.2019.8.20.5001 e 0828861-65.2020.8.20.5001; 

Dra. Divone Maria Pinheiro (17ª Vara Cível), nos processos de números 0814221-28.2018.8.20.5001,   0801595-40.2019.8.20.5001,  0820881-04.2019.8.20.5001 e  0811751-87.2019.8.20.5001

Apenas a título de demonstração, no processo de número 0858837-25.2017.8.20.5001, o Dr. Lamarck Teotônio, assim decidiu:

“(...)

Quanto ao debate relativo à majoração da quota parte para ingresso no quadro de cooperados da ré, observo que art. 19 do Estatuto Social da requerida (id 14511159) prevê a obrigatoriedade do cooperado admitido subscrever, no mínimo. 36.000 quotas partes, equivalente a R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais), elevado para R$ 55.000,00 (cinquenta e cinco mil reais) por decisão do conselho de administração, conforme faculta o art. 19, §2º, do estatuto da cooperativa ré, conforme ata de id 26225115, pugnando o autor seja declarado ilegal requerido aumento.

A Lei nº 5.764/71 dispõe em seu art. 21, III que o Estatuto da cooperativa deve indicar o valor da quota-parte a ser subscrito pelo associado.

Determina, ainda, no art. 46, que é da competência exclusiva da assembleia geral extraordinária a reforma do estatuto.

No presente caso, constato que o regimento da cooperativa ré prevê em seu art. 98 a possibilidade de aumento da quota-parte a ser subscrito pelos associados por decisão do conselho de administração, em frontal descumprimento ao que determina a citada Lei das Cooperativas, posto que, como o estatuto deve prever o valor da quota-parte, sua alteração deverá seguir o mesmo procedimento e atender aos mesmos requisitos de qualquer alteração no texto do estatuto, ou seja, só poderá ser modificado pela assembleia geral extraordinária, motivo pelo qual reputo ilegal os reajustes promovidos pelo referido conselho de administração.”

Do julgamento geral da questão – Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas

Devido ao grande número de médicos que já ajuizaram ações perante o Poder Judiciário para pedir pelo acesso à cooperativa (que continua barrando o livre ingresso) e com o pagamento correto do valor da quota-parte ainda prevista no estatuto, R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais), no dia 4 de dezembro de 2019, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte aceitou o pedido de instauração Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas,  feito pela Desembargadora Judite Nunes (Processo nº 0807642-95.2019.8.20.0000), advindo de um de nossos processos. 

Com esse incidente, a questão será decidida de uma só vez, por todos os desembargadores cíveis (são doze), e terá efeito para todos os médicos. Até lá, os que tenham interesse em ingressar na cooperativa ainda poderão ajuizar ações, pedindo, liminarmente, para que sejam aceitos pelo valor correto de trinta e seis mil reais.

Neste julgamento, o Ministério Público do Estado do RN, atraves de seu Procurador Geral de Justiça, Dr. Eudo Rodrigues Leite, já deu seu parecer inteiramente favorável às nossas teses, e assim concluiu: Em seu parecer, o Procurador-Geral assim concluiu:

“Ante o exposto, manifesta-se este Órgão do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, por seu Procurador-Geral de Justiça, pela procedência do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, em ordem a que sejam firmadas teses no seguinte sentido: ‘(I) possibilidade de livre ingresso de profissional em cooperativa, à luz do art. 4°, I, da Lei n. 5.764/71 e do princípio das portas abertas, não podendo sofrer limitação em razão do alto número de cooperados, mas tão somente caso o profissional não possua capacidade técnica para realizar as atividades objeto da cooperativa; e (II) ilegalidade da majoração da quotaparte por meio do Conselho de Administração, uma vez que tais valores devem constar no estatuto da cooperativa, só podendo sofrer alteração em Assembleia Geral Extraordinária’. É o parecer.”

Esperamos que o Poder Judiciário entregue uma decisão justa e convocamos a todos os interessados a comparecer a esse julgamento, cuja data ainda será definida e será por nós anunciada.

E, como sempre, colocamo-nos à disposição para eventuais questionamentos ou esclarecimentos mais detalhados. Caso tenha necessidade de ingressar na Unimed de sua cidade, nós podemos ajuda-lo. Os processos são digitalizados e as audiências são virtuais. Podemos atendê-lo via Zoom. Fique a vontade para entrar em contato conosco via Whatsapp (botão ao final da página).

E se você chegou até aqui é porque percebeu o quão importante são as informações contidas nesse texto. Pedimos que compartilhem essa mensagem a quem puder interessar, pois, quanto mais pessoas souberem, maiores serão as chances de haver uma regularização.  Obrigado pela atenção.  

Renato Dumaresq. OAB/RN 5.448